sábado, 19 de outubro de 2013

No centro, um ponto

No centro, um ponto
Tão incerto quanto ao que é certo
Tão frágil mas tão preciso
Seguro de que está vivo

Preenchido de emoção
Buscando os passos da razão
Planando, tentando

Vestido de segurança
Sente, sofre e descansa
Repousa enquanto pensa

Feliz de ser ponto
Flutua junto a outros
Esbarra, troca e chora

Sabe que cresce, sabe que busca saber
Sabe que quer ser feliz

Um, feito de tantos
Coletânea de si, pedaços de outros

Vive só. Vive?
Existe só
Resiste só
Só em meio a tantos
Só em meio a tudo

Certeza de ser tentativa
Certeza de ser ponto.
E só, ponto.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Cronicando: Esfumaço


Pisquei em cores.

Não me lembro quando foi a última vez em que me dei conta de ter piscado. Até agora. Primeiro, esfreguei os olhos. Depois, pisquei de novo – dessa vez voluntariamente. E mais uma vez. Várias vezes. Dei uma risada nervosa ao me lembrar de Saramago...

Me roubaram algo.

Praticamente não consigo me lembrar como era antes. Para onde foram todas as cores? Por onde olho, vejo lembranças vagas das imagens antes nítidas e tão coloridas. Até já tinha notado que algumas cores da minha caixa estavam faltando... E que uma fumaça vinha encobrindo as minhas telas... Só que agora encontro apenas uma variação que fica entre o preto e o branco.

Como era um dia atribulado (não que a maioria não seja), não pude parar para descobrir o que estava acontecendo, apesar do incômodo que aquilo me causou. Sabe dor crônica? Se instalou ali, de um jeito que não me deixava esquecer que algo estava errado e ia mal.

Notei que aquilo tinha grudado em mim. Tudo parecia tão normal para uns e outros, mas ainda assim perguntei se sabiam daquilo que se passava comigo. Muitos riram, um riso nostálgico, quando falei das minhas cores. Outros, pouco deram importância ou então disseram nem se lembrar do não-cinza.

Acordei banhada de cinza.

Quadros que ficavam tão belos agora simplesmente são. Aprendi a colocar borrões.

Percebi que tudo estava em seu lugar, o mesmo cenário tingido de um só. Tudo igual, só que menos. Ou mais – mais duro, mais frio, mais longe. Nas mesmas cenas, basta apenas continuar escolhendo – e quanto menos, melhor. Encaro o cinza, sou cinza, vivo o cinza.

Sozinho, o cinza é. O cinza está. O cinza tem. Tem uma beleza sofrida, doída, sentida. Traz uma certeza conformada, emburrada. Consciência bruta, escancarada e opaca. O cinza ocupa.

Ah... Cores.

Ouvi dizer que tem jeito de voltar a colorir as telas. Voltar? Algumas pessoas querem me dar lápis novos, de cores belas, lindas até. Talvez elas combinem... Algumas mais sóbrias... Outras iluminadas... Os lápis que ganhei estão na minha caixa, são importantes. Também dizem que tem gente que já formou uma coleção.

Mas.

O conjunto completo, repleto de cores sem fim, esse sumiu, deixando em um cinza sóbrio tudo que ao piscar de olhos se seguiu.